A primeira vez que ouvi falar de bem-estar animal (BEA) durante a graduação eu fiquei encantado, porém não consegui ter a noção real de que era um campo de estudos, uma ciência, e que eu poderia me especializar e trabalhar com isto, assim como a nutrição, a genética e todos os outros campos que a zootecnia engloba. Para muitos, ainda há uma grande dificuldade de acesso a experiência acadêmico-profissional em BEA no curso de graduação, geralmente devido ao fato de a área ser explorada no Brasil mais recentemente do que áreas como a nutrição animal, por exemplo.
O fato é que o BEA é uma das áreas que mais tem crescido, seja como ciência, seja como assunto popular. As pressões de consumidores de todo o mundo, principalmente da europa, seguem impulsionando a criação de novos requisitos de níveis mínimos de BEA por parte das grandes empresas do ramo alimentício solicitados aos produtores, o que também gera demandas ao meio acadêmico, que por sua vez busca, além de auxiliar estas mudanças, sugerir alternativas que fomentem as modificações nas exigências das empresas.
É importante destacar que quando se fala de BEA, existem diversos objetivos e abordagens. Existem movimentos ideológicos (geralmente através de ONGs) que possuem objetivos distintos. Algumas dessas organizações são contrárias ao consumo de produtos de origem animal, outras defendem o uso racional dos animais, e assim se distribuem em diversos focos, podendo ter um importante papel influente sobre os consumidores. Há uma diferença entre este enfoque do BEA, para o enfoque do BEA na zootecnia. Na nossa formação, o BEA é uma ferramenta na produção animal se apoiando principalmente em três razões: ética, legal e financeira.
Para o entendimento da primeira razão, devemos fazer-nos a pergunta:”Por que se preocupar com o bem-estar dos animais de produção?”. Esta é uma obrigação que nos compete, como seres humanos, pois selecionamos (consciente e inconsicentemente) estes animais ao longo de milênios para o atendimento de nossas necessidades, modificando seus organismos, os retirando de seus habitats naturais e tornando diversas espécies dependentes de nossos cuidados através da domesticação. Com isso, é obrigação ética que atendamos às necessidades de nossos animais de produção, promovendo-os a possibilidade de sensações positivas.
Em relação à questão legal, principalmente após o comitê de Brambell de 1965, houve maiores cuidados e atenção à legislações que regulam as condições de criação de animais. Tal comitê, foi um marco que acabou por influenciar gradativamente a abordagem legal da criação animal em diversos países, principalmente através da Declaração Universal de Bem-estar animal, onde constam as cinco liberdades. Hoje, temos um número considerável de normas e leis responsáveis pela regulação do uso de animais para produção no mundo. Apesar disso, o Brasil, uma das grandes potências na produção animal mundial, ainda fica devendo leis mais elaboradas e uma fiscalização mais eficiente.
Faz parte da alma da zootecnia a busca pela eficiência financeira da produção, por isto, é importante compreender o potencial impacto da preocupação com o BEA nos sistemas. O BEA, ainda que seja visto por muitos como algo opcional e oneroso, na realidade tem um imenso potencial de melhora na eficiência da produção, seja através do incremento na performance ou a minimização das perdas no processo produtivo, ou pelos benefícios ao bem-estar dos funcionários do sistema produtivo, que acabam por trabalhar de maneira mais eficiente. Além disso, a agregação de valor aos produtos produzidos em sistemas reconhecidamente comprometidos com o BEA é um diferencial para os produtores e empresas, frente à crescente conscientização dos consumidores.
Reconhecer o BEA como um dos pilares essenciais da produção animal é fundamental para uma zootecnia forte e alinhada com os anseios do mercado consumidor, além de ser uma obrigação ética e legal, fomentando avanços que beneficiam aos próprios animais e a nós. O BEA é uma ciência, tendo seus indicadores, categorias e variáveis e é possível de ser medido de maneira objetiva através de diferentes metodologias, mas este é um assunto para um próximo texto que você irá conferir aqui na iZoo!
André Albuquerque
Zootecnista
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